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Branco como a neve

Rookie

No natal de 2010, fui esquiar pela primeira vez. Como brasileiro, havia visto neve havia pouco e já achava impressionante, e um pouco irritante. Neve é molhada, fria, incômoda, mas linda, de um branco puro que torna qualquer paisagem um filme da Disney. No esqui, descobri um outro lado dessa pureza branca, em pouco mais de duas horas na montanha meus olhos começaram a doer, arder, como se eu tivesse jogado videogame durante dez horas. Eu estava sem óculos de proteção porque não estava nevando, mas eu não sabia que o óculos não servia apenas para proteger dos flocos, o que atacava meus olhos era o branco da neve.

A exposição continuada a branco por todos os lados, céu, casas, chão; a reflexão de luz solar em grande intensidade por todas as superfícies estava fazendo meus olhos arderem. Perguntei-me, então, o que torna a neve tão branca? Por que nem a chuva, nem o gelo são de um branco tão puro, se são quase a mesma coisa? A resposta está na natureza do branco, da luz, da neve e em um álbum do Pink Floyd.

A luz é uma onda eletromagnética, mas isso não quer dizer muita coisa para quem não é do ramo. Na natureza existem dois campos: o elétrico e o magnético. Um campo é uma ideia física usada para entender a “influência” que uma partícula carregada exerce em outras. Se colocamos uma partícula carregada em um ponto e a deixamos parada, basta colocar outra perto para perceber que essa outra irá se mexer, ser atraída ou repelida pela primeira, dependendo de sua carga. E podemos trocar a posição dessa segunda carga e perceber que essa atração ou repulsão vai mudar bastante de acordo com o lugar que escolhemos. Vamos além, dizemos que a primeira carga gera um campo elétrico em torno de si, uma influência que, a cada ponto, fará a tal segunda partícula andar para uma direção. Ficou claro? Um desenho sempre ajuda:

Nesse desenho, as linhas indicam para onde uma outra carga positiva iria se colocada lá. E essas linhas é o que chamamos de campo elétrico, a influência da carga azul sobre o meio que a cerca.

Essa ideia é muito mais que uma abstração para ajudar a entender o eletromagnetismo. O campo elétrico é algo real, tanto quanto as cargas e as partículas, ele pode ser medido, absorvido, pode se mover e obedece a equações muito precisas, chamadas Equações de Maxwell, talvez a jóia da física clássica. Essas equações predizem também o campo magnético, que é muito parecido com o elétrico, mas afeta cargas em movimento. Há muita física séria envolvida nesses dois campos e em suas relações e origens, mas o que quero passar para vocês hoje é: existem, são dois e um vive em função do outro, não existem separadamente.

As equações de Maxwell nos dizem que uma variação no campo elétrico causa uma variação no magnético e vice-e-versa. Esse balé entre os campos é o responsável pela geração de toda energia elétrica que está à disposição em sua tomada, mas isso é assunto para outro post. Essa influência mútua gera um fenômeno fascinante: imagine-se dando, por um momento, um “tapa” no campo elétrico. Ele aumenta, o que fará o campo magnético também se mexer, ele, que era zero, aumentará em uma direção. O magnético mudando, o elétrico também será afetado, e começará a diminuir, o que, por sua vez, fará o magnético diminuir. Como um carro que de tanto dar ré acaba voltando ao ponto de partida e correndo para a direção contrária, o campo elétrico continua crescendo, mas para o lado oposto, o que também arrastará o magnético para o lado oposto de sua direção inicial. A descrição parece confusa, por isso vou tentar com outra imagem, tirada daqui, um blog de divulgação de nossos amigos gregos:

Para entender esse aumenta e diminui dos campos, fixe o olhar em um ponto dessa linha na base das flechas. Para esse ponto, os campos aumentam e diminuem constantemente. Essa dança entre os dois campos se propaga no espaço indefinidamente, até atingir algum objeto. Os físicos chamam esse fenômeno de propagação de uma onda eletromagnética, mas você deve conhecê-lo pelo nome luz.

Digamos que o vermelho seja o campo elétrico e o azul, o magnético. Se você está parado em um ponto dessa linha, como uma bóia sente as ondas do mar subindo e descendo, você sentirá o campo magnético aumentar, diminuir, mudar de direção, aumentar e diminuir. Esse processo ocorre a uma frequência, o campo elétrico vai e vem algumas vezes por segundo. Se ele ocorre entre 400 e 800 trilhões de vezes por segundo, seu olho consegue detectar essa onda, e você a interpreta como cores.

E isso é enxergar: ser capaz de absorver um campo elétrico oscilando a uma taxa entre 400 e 800 trilhões de vezes por segundo. Se ele oscila mais perto dos 400, ele campo elétrico será interpretado como a cor vermelha. Se mais perto do 800, será mais perto do violeta. As outras frequências intermediárias serão todas as cores do arco-íris.

Mas seu olho possui um comportamento ainda mais complexo que o de um simples detetor. Se ele recebe muitas ondas eletromagnéticas de diferentes frequências juntas, não é capaz de diferenciar uma por uma, ele interpreta essa mistura de ondas visíveis como uma nova cor, que não existe como cor pura. É dessa maneira que o rosa, o cinza, o bege e, em particular, o branco surgem, afinal, eles não estão no arco-íris, devem surgir de algum lugar.

A água, por razões muito interessantes, que não cabem nesse post (talvez em outro), é transparente. Mas assim como o vidro, ela é capaz de causar a difração da luz. A luz branca é feita de ondas de diversas frequências, e essa onda, dependendo de sua frequência, inclina mais ou menos quando atinge o vidro. O que acontece é o fenômeno dessa figura:

A luz branca, atingindo o prisma, se decompõe. Leis do eletromagnetismo nos explicam esse fenômeno, o ângulo de inclinação de um feixe luminoso dependerá de sua frequência, pouco, mas dependerá, e é isso que vemos.

O prisma de vidro é extremamente regular, bem como a água líquida, e por isso eles são transparentes e, no máximo, afetam a luz branca com uma pequena difração. Se colocarmos muitos prismas juntos, esse efeito se acumulará, um rebaterá a luz em outro que rebaterá no próximo, logo perderemos o controle de qual luz vai para onde. Um conjunto muito grande de prismas emitirá, praticamente, para todos os lados, luz branca (uma mistura caótica de todas as frequências que os prismas bagunçaram). Quando nosso olho recebe essa quantidade alta de ondas eletromagnéticas em tantas frequências, interpreta esse material como de uma cor branca muito pura.

A neve é apenas isso, pequenos pedaços de água solidificada que funcionam como os prismas de Pink Floyd. É pelo fato de ser um conjunto tão caótico e desorganizado de “prismas” que a neve é tão branca, tão pura e tão homogênea. Curiosamente, a desorganização completa é responsável pela homogeneidade, porque, sendo caótica, ela não privilegia lado nenhum, frequência nenhuma e emite apenas branco para todos os lados. Esse é o mesmo princípio do filtro solar, que, em uma explicação grosseira, é equivalente a uma pasta de vidro moído.

E quando meus olhos receberam aquela quantidade tão grande de branco por todos os lados, refrações e reflexões de tantos cristais que caíram do céu, não deveria ter me assustado o cansaço que me atingiu. E não apenas neles, o cansaço das quedas na neve, e cansaço de ver crianças de cinco anos deslizando sobre esquis com leveza, o frio cortante da neve que havia entrado em minha roupa em algumas das quedas; honestamente, o branco era o menor dos males. Depois de alguns dias, esquiar torna-se mais natural, e uma das atividades mais divertidas que fiz. Basta aguentar o começo, as quedas, as dores, a neve, as crianças e o branco, esse branco profundo, resultado do bombardeio de tanto caos gerado por difração e refração que, entendido por nossos olhos, torna qualquer paisagem muito bela.