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Crime e castigo

Rookie

Há algum tempo, inspirado em um comentário desse blog, queria escrever algo sobre o fenômeno estatístico conhecido como regressão à média. Desde pequeno fui fascinado pela análise teórica do sermão que recebia de meus pais a cada travessura que aprontava. Quebrei janelas, copos, sujei-me, sujei a casa, nada voluntário, coisa de criança; mas recebia, a cada evento, a devida repreensão de pai ou mãe (ou dos dois, não eram excludentes). Também levava broncas por notas mais baixas, não tantos elogios pelas altas, que eram, afinal, minha obrigação. Achava que as coisas eram daquele jeito, que não poderia ser de outro jeito, até, entrando na faculdade, conversar com um amigo que cursava administração de empresas. Segundo ele, muito mais eficaz que esse método era o inverso, o tal do positive reinforcement, elogiar o que é bom e trabalhar no que está ruim, mostrar ao time vídeos com seus acertos ao invés de erros, meu amigo citava experiências sociológicas e psicológicas bem interessantes para provar seu ponto, mas eu custava a acreditar.

Dizer que a recompensa é o melhor caminho choca nossa experiência. Estamos habituados a ver resultados melhorarem após a repreensão, e muitos dizem que, após o elogio, o elogiado tende a piorar e a decepcionar, como se elogiar estragasse, como se ficar feliz e orgulhoso o tornasse relaxado. O post de hoje serve para desarmar esse argumento, e nossa ideia de que alguém “aprendeu a lição” após uma bronca bem tomada. Vou argumentar que esse fenômeno de fato existe, a piora em relação ao elogio e a melhora em relação à bronca, mas que ele reflete muito mais uma verdade estatística que uma mudança de comportamento.

Vamos imaginar uma criança, Denis, o pimentinha, que, ao decorrer do ano letivo, fará 20 provas. Ele não é o melhor da sala, nem o pior, e estuda um pouco para cada prova, mas não muito. Denis estuda suas matérias para tirar um 7,0, que é uma nota boa em sua opinião. No entanto, algumas vezes a prova é mais fácil, ou mais difícil, então sua nota varia; sua média é constante, mas as flutuações são aproximadamente de dois pontos em sua nota. Ou seja, vamos tratar a nota de Denis como uma variável aleatória de média 7,0 e distribuição normal com variância 1. Dessa forma, a chance de ele tirar acima de 9,0 é de 2,2%, e a chance de tirar abaixo de 5,0 também é de 2,2%, sendo 68,2% a probabilidade de ele tirar entre 6,0 e 8,0.

Esses números podem parecer estranhos, mas esse modelo é um dos mais adequados para representar tarefas humanas, a chamada distribuição gaussiana, ou distribuição normal. Ela diz que teremos um valor esperado (no caso de Denis, 7,0), mas que teremos dias bons e ruins. A maior parte dos dias (68,2%) não será muito longe do valor esperado (entre 6,0 e 8,0), mas alguns, excepcionais (2,2%), podem ser muito bons (acima de 9,0, caiu exatamente o que ele havia estudado!) ou muito ruins (abaixo de 5,0, não caiu quase nada do que ele sabia).

Sua mãe se preocupa com sua educação, e o disciplina como sua mãe a disciplinou. Ela dá um presente a Denis cada vez que ele tira uma nota acima de 9,0, e o castiga cada vez que ele tira uma nota abaixo de 5,0. Vejamos como seriam as notas de Denis em um ano:

O que a mãe de Denis entenderá desse gráfico? Note que toda vez que ela castiga Denis, suas notas tendem a subir, enquanto toda vez que ela o presenteia, ele tende a tirar notas piores! É importante notar que isso nada diz sobre o aprendizado de Denis, eu apenas tirei notas aleatoriamente, dizendo que Denis é um aluno nota 7,0 que tem dias bons e ruins.

Essa ilusão da eficácia do castigo ocorre porque é muito raro ter dois dias ruins seguidos, e a ilusão da ineficácia do elogio é pela também raridade de dois dias excepcionalmente bons. O valor seguinte ao de um dia excepcional tende a ser menos espetacular, ou, como dizemos, tende a regredir à média dos valores.

Note, eu não estou dizendo que o castigo tem eficácia zero no comportamento, ou que o presente também não tem efeito, estou apenas dizendo que o raciocínio de punir e melhorar e não elogiar para não estragar pode ser aplicado até a variáveis aleatórias. Certamente a maneira como uma pessoa é tratada influencia em sua performance, mas uma teoria de castigo e recompensa que pode ser explicada pelo mero acaso, pela estatística, não pode ser tida como uma grande verdade sobre o comportamento humano.

Em outras palavras, imagine-se alguém que considera tirar menos que 5 em um sorteio para o próximo número do bingo algo ruim, e que considera tirar mais que 95 um resultado bom. Você pode, por algum motivo, culpar aquela esfera engradeada que vomita os números pelo resultado, e eu garanto: se você der uma bronca nela após cada resultado menor que 5, ela vai muito provavelmente melhorar bastante na próxima vez. Se você elogiar a cada resultado acima de 95, ela provavelmente irá te decepcionar na próxima bola sorteada.

Não quero, nem pretendo, dizer que broncas são ineficazes, ou que a única resposta possível para educar ou ensinar são elogios, paz e amor. Lanço esse post na polêmica opinião que pede uma revisão de nossos conceitos da eficácia do castigo como aprendizagem. Para que você se pergunte quanto do que você aprendeu veio dos benefícios de um sermão, ou, ainda, quanto de cada melhora que viu após uma bronca foi resultado dessa bronca ou se foi, por puro acaso, um dia melhor que ontem.