Arquivo da tag: Parrondo

No cassino de Parrondo

Geek Rookie

A estatística possui alguns resultados não muito intuitivos, e muito divertidos. Um deles, proposto pelo físico espanhol Juan Parrondo, é um de meus favoritos. Para contar esse aparente paradoxo, convido-os a jogarem um jogo no cassino de Parrondo.

Esse cassino possui duas mesas, uma com um jogo A, outra com um jogo B, que possuem regras diferentes. Em ambos os jogos você só pode apostar uma ficha por vez, digamos, valendo R$100,00. Se você ganhar, leva mais uma ficha consigo. Se perder, perde sua ficha.

No jogo A você deve tirar uma carta de um baralho muito bem embaralhado. Se a carta for preta, você ganha. Se for vermelha, você perde. Neste maço de baralho, contudo, há um curinga; e você perde se tirar o curinga.

No jogo B, as regras mudam um pouco. Se seu número atual de fichas não for um múltiplo de três, suas chances são ótimas: você tira uma carta e perde apenas se ela for de copas ou o curinga. No entanto, se seu número de fichas for múltiplo de três, você deve tirar um às ou o curinga para ganhar, perdendo em todos os outros casos.

Não é surpresa nenhuma se eu te contar que o jogo A é falência na certa. A chance de você perder é maior que a de ganhar, e o ganho é igual à perda; jogar diversas vezes seguidas o jogo A fará você sair do cassino de mãos vazias. E apesar de o jogo B parecer um grande negócio, ele não é, podemos provar com diversas simulações numéricas, o que é o equivalente a jogar várias vezes, que a tendência é perder mais e mais dinheiro jogando o jogo B várias vezes. Assim, nas mesas do cassino de Parrondo a casa sempre vence.

Mas suponha que você pode caminhar de uma mesa à outra. Ora, certamente você só iria ao jogo B quando tem certeza de que suas fichas não são um múltiplo de três; o cassino jamais permitira algo parecido. Então você pode mudar de uma mesa para outra, mas com uma regra: você não pode contar suas fichas. Para deixar ainda mais justo, você não sabe, a cada aposta, se ganha ou perde, fica apenas sabendo o resultado final de suas aventuras ao sair do cassino. Assim, você até pode alternar os jogos, mas, sem contar as fichas e sem saber quando ganha ou perde, não consegue tirar muita vantagem disso. De certa forma, é como se você fosse obrigado a, na entrada, dizer quantas vezes irá apostar em cada jogo e em qual ordem. Assim, nunca sabendo em qual você ganha e qual perde, não poderá mudar de estratégia no meio da noite.

E eis a parte surpreendente. O jogo A é perda certa para você, o B também se jogado continuamente; mas alternar os jogos te leva a ganhar muito dinheiro. Esse fenômeno é o paradoxo aparente de Parrondo, duas táticas fracassadas que, combinadas, resultam em um ganho certeiro. Aos que não acreditam em mim, escrevi um pequeno código de computador para simular esses jogos todos. Claro, um exemplo não prova nada, coloco o resultado apenas para que sua confiança em mim aumente. O jogo A+B consiste em escolher, antes de cada jogada, aleatoriamente um dos jogos, ambos com a mesma probabilidade, como se tirasse no cara-ou-coroa a mesa escolhida para apostar. Eis os resultados, começando com uma fortuna de 47 fichas e permitindo ficar no negativo:

E esse aparente paradoxo nada mais é que um fenômeno estatístico fascinante usado abundantemente em diversos sistemas biológicos, o que inclui suas células. Temos, no caso de Parrondo, um jogo que apenas “bagunça” seu dinheiro (o jogo A, cuja chance é quase 1/2 para cada lado) e outro que te permite ganhar bastante, até atingir um valor (o múltiplo de três) bem difícil de atravessar, tão difícil que é mais fácil o jogo te fazer perder dinheiro a atravessar aquele valor e, perdendo, ele encontrará outro múltiplo de três, e será mais uma vez difícil de subir. No entanto, esse combo “bagunça+tendência” torna-se uma tática interessante, pois a bagunça pode te permitir “saltar” os múltiplos de três e, fora deles, você escala mais fácil a escada da fortuna.

 A partir desse ponto, esse post torna-se geek. Continue por sua conta em risco.

Parrondo não estudava teoria dos jogos, estudava os chamados “motores moleculares”, a base do funcionamento de diversos processos biológicos no nível celular. Suponha uma partícula submetida a um potencial da forma “dente de serra”:

Dente de serra

E suponha essa partícula com uma temperatura suficientemente baixa (ou seja, suficientemente lenta) para que fique confinada no poço. Na figura, o roxo representa a densidade de probabilidade da posição dela, note que é bem difícil ela sair daquele lugar.

Mas suponha agora que eu aumente bastante a temperatura, bastante mesmo. Ora, a partícula se comportará como se ignorando o potencial, e as chances de ir para a esquerda e para a direita tornam-se as mesmas. Mas algo é diferente, se pensarmos em qual poço é mais provável que ela caia. Veja como é a evolução desse sistema, nessa figura:

parrondo_4

Note que, no momento de alta temperatura, é mais provável que ela tombe no poço da direita (área verde) que no poço da esquerda (área vermelha). Ao resfriarmos o sistema, que é representado pelo terceiro quadro, percebemos que a partícula tende a andar pela serra para a direita. Por causa da assimetria do potencial, o sistema adquire uma direção preferencial.

A relação disso com o cassino é simples, o jogo B é a situação de temperatura baixa e o jogo A é a alta temperatura, andar para a direita significa ganhar dinheiro e perder dinheiro é andar para a esquerda. Mas o cassino de Parrondo é malandro, nele os picos de potencial não são iguais e o jogo B tende a te empurrar para a esquerda, e o jogo A também (o que seria equivalente a uma gaussiana levemente assimétrica). No entanto, pela diferença na inclinação do potencial, passar ao jogo A e voltar ao B torna o sistema mais propenso a te mandar para a direita, a direção de maior fortuna!

Esse jogo de aumento e diminuição de temperatura é a base dos motores moleculares, ele é a razão pela qual a proteína é sintetizada pelo ribossomo em um sentido e não decide, aleatoriamente, seguir o sentido oposto e ir se desfazendo. E a célula funciona, vive, produz e sintetiza proteína dessa maneira: aumento de temperatura, diminuição, aumento (o que deve explicar aquele monte de ATP sendo desfeito para fazer esse sistema andar), em um intrincado maquinário de potenciais assimétricos que nos permite andar, pensar, respirar e jogar cartas em um cassino.