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Nobel 2013 – O bóson de Higgs

Rookie

Hoje é um dia de festa para a física.

Há algumas horas, o CERN, Centro Europeu de Pesquisa Nuclear, anunciou a tão esperada descoberta: encontramos o bóson de Higgs. Depois de muito tempo, dinheiro e estudo, os físicos de partículas conseguiram, e hoje o dia é deles. Tenho lido bastante coisa na imprensa sobre essa descoberta, e infelizmente muita bobagem, em especial com o apelido “partícula de Deus”. De minha parte, acredito que vale a pena escrever um pequeno resumo sobre uma das aplicações do Higgs e sua importância para a física.

Para entender o Higgs, precisamos entender as forças da natureza. Todo tipo de interação acontece em uma de quatro formas possíveis: por força gravitacional, por força eletromagnética, por força forte ou por força fraca. As duas primeiras são bem conhecidas, é por elas que você é atraído pela Terra (gravitacional) mas não atravessa a Terra com seus pés (eletromagnética). As outras são menos famosas, mas igualmente importantes: a força forte é a atração que prótons e nêutrons sentem entre si, e o que torna o núcleo atômico possível; afinal, você nunca se perguntou como tanta carga positiva conseguia ficar junta? A fraca é mais sutil, ela age na desintegração de partículas e em uma boa parte do que conhecemos como radioatividade.

Essas quatro forças fundamentais possuem características muito diferentes. A forte é de alcance extremamente curto, mas muito intensa onde age, e sua forma exata ainda é desconhecida. A fraca age apenas em partículas “girando” em um determinado sentido, não em outro, como se preferisse a esquerda à direita, um comportamento muito estranho. A eletromagnética é talvez a mais bem comportada, conhecemos todas as suas leis e seu alcance, desde o século XIX ela não é mistério. A gravidade, no entanto, é a irmã bastarda das forças, resistindo a toda tentativa de unificação, sozinha, quase uma criança autista isolada em seu mundo e hostil a qualquer tentativa de se aproximar das outras. Pedi a um amigo que representasse as quatro forças em um desenho, que é um de meus favoritos:

No século XX, contudo, os físicos descobriram um passado comum entre a força fraca e a eletromagnética. Apesar de possuírem comportamentos completamente diferentes, descobrimos que, se estudamos partículas ou forças a altíssimas energias, essas duas forças são, na verdade, a mesma coisa nessa escala! Como irmãos gêmeos que depois de uma certa idade são completamente diferentes, essas forças já foram a mesma coisa, logo depois do Big Bang, quando a energia ainda era alta demais; mas hoje possuem apenas traços leves de parentesco.

Aí entra o Higgs. Essa partícula, que na verdade é mais um campo, é responsável pela quebra na simetria entre a força fraca e a eletromagnética. Em energias muito altas, elas são a mesma coisa, mas, conforme a energia vai baixando, o Higgs começa a agir e a tornar essas forças completamente diferentes.

Toda força é transmitida por uma partícula. As partículas da força fraca são os bósons W e Z, a partícula da eletromagnética é o fóton, e eles são radicalmente diferentes; para começar, W e Z têm massa, o fóton não. Isso é culpa do Higgs, por isso dizemos que ele é responsável por dar massa aos bósons, e até a mais outras coisas, porque podemos repetir esse raciocínio para explicar a existência de massa em todas as outras partículas! A presença do Higgs é a causa da separação entre a força eletromagnética e a fraca; sem ela, o universo seria um lugar bem diferente. Ele possui outras tarefas, mas talvez a mais importante seja essa, separar esses irmãos gêmeos e tornar um o bom aluno, enquanto o outro torna-se o rebelde.

A importância dessa descoberta é múltipla. Em primeiro lugar, temos nossa teoria confirmada, o que é fundamental para a ciência. Se isso fosse geografia, poderíamos dizer que há uma cidade ali, uma aqui, porque as observamos; e então dizermos: “Pelos meus estudos, deve haver uma cidade nas coordenadas 21º43’19”S, 44º59’06”W”, viajar e descobrir lá uma cidade, nunca antes observada, encontrando cidades e povos apenas porque sua geografia estava correta, porque a teoria está certa.

Em seguida, podemos aprofundar o estudo dessa partícula para desvendar outros mistérios, como o que é massa? Como a gravidade (que atrai massas) funciona? Por que a mesma massa que usamos para calcular a resistência a ser acelerado (aquela do $F = m.a$) é a mesma que serve para dizer o quanto um corpo atrai o outro? Como escrever a gravidade nessa linguagem de partículas? Pode o Higgs nos ajudar a entender toda aquela parte de matéria escura e energia escura que nos desafia e fascina, sem nos dar pista nenhuma?

Para mais detalhes, há um vídeo excepcional produzido pelo PhD Comics, de onde tirei a imagem inicial do post, que explica as dificuldades em medir o Higgs e que surpresas ainda nos aguardam.

Assim, parabenizo os físicos de partículas, em especial os experimentais, hoje o dia é de vocês. Uma vitória para os físicos, e para toda a ciência, que avançou mais um pouquinho na compreensão do universo, na busca pela verdade; uma pequena partícula para o CERN, um grande passo para a humanidade. E dou boas-vindas ao Higgs a nossa lista de partículas elementares, o tão esperado bóson que, depois de tanto fugir e se esquivar, cansou e voltou para casa.