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Nobel 2015: Oscilações de caráter

Rookie

Edição 06 de outubro de 2015: Esse tópico foi recompensado com o prêmio nobel da física de 2015 aos cientistas Arthur B. McDonald e Takaaki Kajita, absolutamente merecido. Reaproveito esse post de 2012, em um foreshadowing exemplar de minha parte, e mando-o para o dia de hoje. Parabéns à física de partículas, vocês ganham esse round.

A predição e descoberta dos neutrinos na segunda metade do século XX foi uma das grandes conquistas da física de partículas e da astrofísica. Pequenos, rápidos e quase indetectáveis, esses pequenos diabos roubam a energia das explosões de supernovas e bombardeiam outras galáxias, atravessando o espaço em uma velocidade próxima à da luz. A Terra é bombardeada o tempo todo por uma quantidade colossal de neutrinos, felizmente eles interagem muito pouco com a matéria e, até tentando, é difícil detectar um. Os caçadores de neutrinos, em especial o Super Kamiokande – um detector de neutrinos com nome de herói japonês que, não por menos, é parte da Universidade de Tóquio – possuem um trabalho duro. Em 1987, ano da explosão de uma supernova próxima à Terra, nosso planeta foi atingido pela maior onda de neutrinos da era da ciência moderna, detectamos 24.

Interior do Super Kamiokande

E medidas mais precisas do número de neutrinos quase levaram a comunidade física à loucura no final do século XX. A física teórica, aliada a alguns experimentos na Terra, nos dizia exatamente a probabilidade de medir neutrinos, a astrofísica nos dizia a quantidade de neutrinos produzida pelo Sol, era só multiplicar um pelo outro para estimar a quantidade de neutrinos que seríamos capazes de medir na Terra a cada ano. O problema: medíamos muito menos do que deveríamos.

Diversas hipóteses foram levantadas: neutrinos perdidos na atmosfera, detectores que funcionavam mal, nada era o suficiente para explicar a diferença. Claro, a diferença era entre medir 12 e 24, mas, por menor que fossem esses números, um ainda era o dobro do outro; e a física é bem intolerante com teorias que “quase funcionam”.

Pior, essa diferença variava com o ano. Havia uma grande diferença entre o número de neutrinos medidos em julho e em janeiro, mas entre dois janeiros consecutivos a taxa de captação de neutrinos era quase equivalente. Ainda, nos dois casos, o número era praticamente metade do esperado, e isso aumentava o mistério. Coloco um gráfico para entender a diferença entre o recebido e o esperado. As barras em azul escuro são as medidas, as mais coloridas são as esperadas (as cores nas barras teóricas representam o processo pelo qual os neutrinos são emitidos). A parte hachurada representa o erro experimental.

Antes de solucionar o mistério, precisamos entender um pouco sobre o neutrino e sobre as partículas. A maior parte das partículas elementares (os férmions, para ser exato) vêm em três tipos, ou três sabores: leve, médio e pesado. O elétron, por exemplo, é o membro leve da sua família, seus irmãos maiores são o múon (médio) e o tau (pesado). Não ouvimos falar muito dos membros mais pesados da família porque a formação deles é mais rara no universo, sendo mais pesados, eles são mais difíceis de serem “fabricados”. Neutrinos vêm em três tipos, nós definimos esses tipos através do método de formação deles, porque neutrinos sempre se formam em uma reação que envolve alguém da família do elétron. Os neutrinos que saem de uma reação com o elétron são chamados, por falta de criatividade, de “neutrino do elétron”, sendo os outros “neutrino do múon” e “neutrino do tau”. Retirei do site particlezoo uma representação dessas partículas elementares em pelúcia:

No começo dos anos 2000, os físicos decidiram tentar algo diferente. Eles tentariam captar todos os tipos de neutrino, não apenas o do elétron, como vinham fazendo até então. A experiência parecia fadada ao fracasso, porque o Sol só produz neutrinos do elétron, os demais que apareceriam seriam raros demais, vindos de processos exóticos em estrelas longínquas. Para o espanto da comunidade científica, a quantidade de neutrinos do múon que atinge a Terra é quase igual a dos neutrinos do elétron. Usando a soma de todos os tipos de neutrino, aquelas barras “esperado” e “medido” coincidiam!

Mas como explicar isso? A única forma de explicar foi compreender o fenômeno de oscilação de neutrinos. Lembro que as partículas elementares não são como aquelas pelúcias fofinhas, elas não precisam obedecer às regras da física “convencional” e não o fazem. Um neutrino, quando é produzido em uma reação com um elétron, é um neutrino do elétron, mas só naquele momento. Durante seu “voo” até a Terra, ele não é nem neutrino do elétron, nem do múon, nem do tau, ele é um neutrino. Quando nós o capturamos, ele tem uma certa probabilidade de reagir com um elétron e uma certa probabilidade de reagir com um múon, e nisso damos o nome para ele. Mas note que ele não é nenhuma dessas categorias, mas um estágio intermediário entre elas que, quando medimos, “escolhe” qual estado será.

Isso é bem confuso e analogias são difíceis. Qualquer analogia que explica bem a mecânica quântica está errada, mas vou tentar assim mesmo. O neutrino, nesse sentido, é como um cilindro, mas somos apenas capazes de medir objetos de um jeito estranho: imagine que conseguimos pintar o cilindro com tinta e, em um dado momento, colocá-lo em um papel e medirmos a figura que ele “pinta” com a tinta. Em seguida, tentaríamos entender o que é esse objeto através de nossos conhecimentos de figuras planas. Imagine que o cilindro está girando, rodando no ar de forma aleatória. Quando batemos o cilindro no chão e estudando sua mancha, ela tanto poderá ser retangular (a marca do “lado” do cilindro) quanto poderá ser circular (a marca da base do cilindro), tudo depende da posição em que ele estiver rodando. Os neutrinos agem de forma parecida, eles são uma mistura dos três estados (elétron, múon e tau) e, quando os medimos, eles se manifestam de uma forma na experiência. Porque nossa compreensão do neutrino é apenas o que medimos quando ele é produzido ou aniquilado, damos a ele esses nomes; assim como se só fôssemos capazes de medir a mancha diríamos que o cilindro é um objeto que está no estado círculo e no estado retângulo ao mesmo tempo, “escolhendo” um desses estados quando vamos medir sua marca de tinta.

Com isso, o mistério da variação no ano está resolvido. A probabilidade de encontrar um neutrino no estado elétron ou múon varia de acordo com seu tempo de voo, há pontos de sua trajetória em que ser do elétron é mais provável que ser do múon. Mas a Terra gira em torno do Sol e a distância entre nós e o astro rei varia com o ano (estamos mais próximos do Sol em janeiro e mais afastados em julho), não o suficiente para afetar muito o clima, mas essa diferença na distância dá mais tempo de voo aos neutrinos e afeta suas probabilidades, tornando a repartição elétron-múon diferente em cada momento do ano mas, entre um janeiro e outro, o  comportamento deve ser o mesmo.

Vale notar que os experimentos para medir neutrinos, essa “partícula-fantasma”, acontecem desde os anos 60, e dou destaque especial às experiências de Raymond Davis, prêmio Nobel de 2002 por seus experimentos. Davis transformou uma antiga mina de ouro em South Dakota em um grande detector de neutrinos. A medição era feita usando colisões de neutrinos com átomos de cloro, a mina era necessária para isolar o experimento de raios cósmicos que podiam parecer neutrinos, e todo ele era cercado por água, o que garantiria que só neutrinos atingiriam o cloro. A mina podia ficar bem quente em algumas épocas do ano, por isso coloco aqui uma foto de Davis nadando na água de seu experimento.

Raymond Davis Jr. Nobel da física de 2002.

E isso soluciona o mistério dos neutrinos desaparecidos e abre um capítulo interessante para entender a natureza das partículas elementares e esse tal fenômeno de oscilação. Nem tudo é o que parece, em especial os neutrinos, que são, na verdade, uma mistura de tudo o que deles podemos medir.

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Ecos do passado

Rookie

Abri hoje um site de notícias brasileiro, esperando ler sobre o grande evento do dia. Estadão, Folha, Uol, nenhum deles tinha nem na parte de ciência qualquer informação sobre o grande acontecimento vindo do polo sul, e dos confins do universo.  O New York Times o registra, felizmente, colocando em destaque na página principal. O destaque não é completo, a notícia está abaixo de uma análise sobre Putin e abaixo da morte da namorada do Mick Jagger. Com todo respeito à família da Sra. Scott, e com o povo na Crimeia, essas notícias não estão em proporção.

Cientistas em um observatório no polo sul anunciaram a detecção de ondas gravitacionais. Quem teve aula de relatividade geral e atravessou a aula de ondas gravitacionais lembra do amargo na voz do professor quando esse anunciava que o assunto da aula do dia nunca havia sido detectado, que aquela aula não estava tão longe de se estudar a anatomia do Pé-grande, mas essa notícia não veio apenas para confirmar, mais uma vez, a teoria de Einstein. Se fosse apenas mais uma prova de que uma teoria de 99 anos está correta, não merecia tanto espaço. O que foi feito no polo sul, no entanto, merece o Nobel.

O impacto dessa descoberta precisa de uma historinha para ser entendido, e é uma história bem antiga. Aliás, é a mais antiga: no princípio, houve uma explosão. Ninguém sabe exatamente o que aconteceu entre o segundo zero e $10^{-34}$ segundos, mas os astrofísicos e cosmólogos têm muitas teorias que começam a valer a parte dessa marca dos $10^{-34}s$. A melhor delas é a da inflação cósmica: o espaço-tempo expandiu de forma drasticamente acelerada e em seguida diminuiu a taxa de expansão. Essa teoria surgiu para explicar muita coisa estranha nesse nosso universo, muita gente tenta ajustar nessa teoria grandes questões não-explicadas, desde problemas na formação de galáxias à grande desproporção entre matéria e antimatéria no universo. Essa inflação deve ter causado muito alvoroço no universo, mas aconteceu em um passado tão remoto que muitos achavam impossível encontrar qualquer traço direto dela hoje. Muitos achavam, mas não todos.

Existe uma boa quantidade de radiação atingindo a terra que vem de um período muito antigo no universo. Essa radiação é como um barulho de aparelho eletrônico ligado em seu quarto, muito baixa, imperceptível, vindo de todos os lados. Recebemos essa radiação porque ela ainda está “chegando à Terra”, desde aquele período. A grande descoberta vinda do polo sul é sobre a polarização dessa luz. Eu comentei um pouco sobre polarização neste post sobre a luz, mas a ideia é que uma luz polarizada está oscilando em uma direção específica. A radiação cósmica de fundo está também oscilando em uma direção específica, dependendo de onde você a observa. O mapa de “direção de oscilação” é o que revela a natureza dessa descoberta, ele é algo assim:

Esse perfil na polarização da radiação cósmica de fundo é um resquício de uma época em que as ondas gravitacionais eram fortes o suficiente para deixar marcas nesse espectro. Ainda que elas atualmente sejam fracas demais para serem detectadas pelos instrumentos que temos, como se estivessem extintas, a imagem acima é o fóssil da inflação, como um inseto preservado em seiva de árvore que vem nos contar de um tempo em que o universo era jovem e cheio de problemas.

Para ser claro, não foram detectadas exata e diretamente ondas gravitacionais, e há gente séria trabalhando nisso, assim como nunca encontramos um dinossauro. Mas os ecos dessas ondas foram descobertos, e o escrutínio da comunidade científica será intenso para confirmar se as tais ondas são de fato a única, ou a melhor, explicação para esse quadro lindo de azuis e vermelhos que observamos na imagem acima.

A manchete no jornal deveria ser: primatas em um pedaço de rocha flutuando em torno de uma estrela mediana contemplam de relance informações sobre a origem de todo o universo. Formas de vida à base de carbono, usando giz, lousa e instrumentos fabricados na rocha, são capazes de deduzir detalhes sobre explosões de escala cósmica, sobre a formação das bilhões de bilhões de estrelas, das bilhões de galáxias, revelando um pouco mais sobre nossa relação com o cosmos, nosso lugar nele, nossas origens e nosso destino.

Boas vibrações

Rookie

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O post de hoje é motivado pela figura acima. Encontrada nos meandros de minha timeline do Facebook, ela não representa nada novo além da curiosa persistência na crença moderna na astrologia, mas algo nela chamou-me a atenção: a escolha do planeta Saturno. E o divertido a respeito desse planeta é que sabemos bastante sobre ele, o que nos permite uma análise interessante da proposição da figura, que em 2013 Saturno de fato ajudaria nos relacionamentos dos nascidos no mês de fevereiro e março. A pergunta que pretendo responder nesse post é: como ele faria isso? E, espero concluir, perceberemos que os astrólogos estão muito mais avançados na ciência que qualquer um de nós.

Nós, físicos, conhecemos quatro, e apenas quatro, maneiras de interação possíveis. Nada pode influenciar nada a menos que seja usando uma dessas quatro vias: ou é uma interação gravitacional, ou é eletromagnética, ou é através da força forte, ou através da força fraca. Conhecemos bem as duas primeiras, e a vasta maior parte das interações de seu cotidiano (contato, som, temperatura) são resultado da segunda, o efeito de átomos possuírem elétrons e possuírem uma tendência a se repelirem se aproximados. A força forte é a interação responsável por manter o núcleo atômico no lugar, ela age apenas a distâncias muito curtas; enquanto a força fraca age apenas em algumas situações mais exóticas, como transformar nêutrons isolados em prótons, ou no raro evento de algum neutrino interagir com a matéria que conhecemos. Você ouve falar pouco nelas pois, a menos que estejamos no mundo do muito, muito pequeno, onde até átomos são grandes, elas pouco aparecem.

Dizer que são apenas quatro as maneiras de interação que conhecemos é um pouco mais profundo que dizer apenas “não podemos mover coisas a menos que usemos uma dessas quatro forças”. Se não somos capazes de usar nenhuma dessas interações em um objeto, ele não saberá de nossa existência, é até impossível qualquer forma de comunicação com ele, sua vida continua como se não existíssemos! Seja qual for a forma como Saturno influencia a vida amorosa dos nascidos depois do carnaval e antes da páscoa, ela deve, segundo a física que conhecemos, ser uma ou mais dessas quatro formas. Para entender melhor, vamos calcular com carinho cada uma delas, sempre comparando com outros objetos que conhecemos.

Considerei apenas as interações diretas Saturno – Terra, desconsiderando possíveis vias indiretas como Saturno – outro planeta – Terra ou Saturno – asteroide –  Bruce Willis – Terra, por dois motivos: o primeiro é o fato de Saturno não ser muito responsável pela segurança cósmica de nosso planeta, quem faz isso é Júpiter, que absorve incontáveis detritos espaciais e torna a órbita terrestre a mais limpa do sistema solar ((De acordo com o critério de Soter, que compara a massa do planeta e a massa dos detritos de sua órbita.)). Ainda, se por acaso Saturno nos salvasse do final dos tempos, não posso considerar isso um fenômeno que só afetaria o relacionamento dos nascidos entre o carnaval e a Páscoa.

  • Influência gravitacional

Saturno é grande, muito grande; e esse é um dos argumentos favoritos dos que defendem a astrologia. Se a Lua é capaz de afetar as marés, como Saturno não poderia afetar os humores? Empolgados com essa possibilidade, precisamos permanecer sóbrios e calcular com calma o que Saturno representa em termos de gravidade. A massa desse planeta é grande, cem vezes a do planeta Terra, algo perto de $5,6.10^{26}$Kg, ou seja, 56 seguido de 25 zeros, parece promissor. A gravidade, contudo, perde sua força rapidamente com a distância, e Saturno está longe. Se dissermos que a distância entre a Terra e o Sol vale 1 u.a. (unidade astronômica), então a distância entre Saturno e a Terra oscila no ano entre 9 e 11 u.a., o que equivale, em média, a $1,5.10^{12}$m. Usando a fórmula da gravitação, descoberta por Newton, talvez o mais brilhante dos astrólogos, podemos usar esses dados para chegar a conclusões interessantes.

Estou nesse momento sentado em um trem ao lado de um senhor francês aparentemente simpático, careca e um total desconhecido; ainda, sei que a influência gravitacional que ele exerce em mim (imprimindo uma aceleração equivalente a $2,2.10^{-8}$ m/s²) é maior que a de Saturno ($1,5.10^{-8}$ m/s²). Um caminhão a dez metros de distância me puxaria gravitacionalmente com mais força que Saturno e, preciso dizer, essa força é bem pequena. E não digo pequena em comparação à gravidade da Terra, ou à da Lua, digo pequena pelo fato de que nenhum instrumento de medida de atração gravitacional poderia detectar a influência de Saturno antes de 1980. Recentemente, com gravímetros com base em supercondutores, é possível sentir variações de gravidade na ordem de grandeza da influência de Saturno, mas ela certamente poderia ser confundida com a gravidade da neve acumulada no telhado, ou do próprio ar que está na sala ao lado. Para todos os efeitos, em termos de gravidade, é como se Saturno não existisse: se ele explodisse hoje, apenas os astrônomos saberiam, e talvez todos nós se, ao final de um ciclo Maia, os detritos desse planeta, em uma coincidência cósmica, nos atingissem.

  • Influência eletromagnética

Saturno não foi descoberto por sua gravidade, mas por seu brilho, ou melhor, pela reflexão da luz do Sol. Quando eu era menor, ouvi pela primeira vez que a Lua não tinha brilho próprio, que ela apenas refletia a luz solar, achei, a partir daquele dia e por um bom tempo, que a lua fosse um grande espelho, um planeta inteiro feito da mais pura prata; quase ficava bravo por ver nela um rosto triste, e não minha própria imagem acenando. Demorei a perceber que refletir a luz não significa ter qualquer compromisso com a luz refletida, como, em uma estrada deserta e mal-iluminada, colocar alguém em frente ao farol do carro dará a impressão de que a pessoa brilha.

Qual não foi a surpresa dos cientistas ao descobrir que Saturno irradia perto de duas vezes o que recebe de energia do Sol! Não bastando esse planeta possuir seus misteriosos anéis, cuja explicação está longe de completa, ele possui um mecanismo de geração interna de energia! A teoria mais aceita dessa geração de radiação vem da composição de Saturno, ele é 3/4 hidrogênio e 1/4 hélio. O hélio, mais pesado, “cai” no planeta, ou seja, penetra cada vez mais fundo no corpo planetário e a essa “queda” é creditada a geração de energia. Como se o hélio, ganhando velocidade ao se aproximar do centro, batesse no hidrogênio em volta e o esquentasse. Se você, como eu, aprendeu que planetas não geram energia própria, conhece agora uma resposta apropriada a seu professor da quinta série.

Medir a temperatura de Saturno, exatamente por esse estranho mecanismo, é um desafio, e um problema em aberto na astronomia. No entanto, conhecemos bem as frequências que podem ser emitidas por Saturno, e temos um grande cobertor que nos protege da vasta maior parte de toda radiação cósmica: a água da atmosfera. Esse elemento safado, o $H_2O$, tem a impressionante propriedade de absorver quase todas as frequências do espectro eletromagnético, exceto uma pequena faixa, que coincide com a única faixa que conseguimos observar. Se a água deixa apenas passar a luz que enxergamos, não é à toa que ela é transparente, mas não se engane, ela absorve quase todo o resto da luz. Dessa forma, estamos bem seguros de que, por mais mirabolante que seja a radiação emitida por Saturno, ela não somente é fraca como é provavelmente absorvida pela atmosfera. A luz solar que ela reflete, e que pode nos atingir, não é nada mais que uma versão júnior da radiação que recebemos do Sol todos os dias. Uma pequena quantidade extra de água no céu à noite seria capaz de eliminar completamente a influência de Saturno em nossas vidas, parando as ondas eletromagnéticas que dele saem. Ou seja, se um astrólogo argumenta que a radiação eletromagnética de Saturno nos afeta, ele tem que levar em conta se o dia está nublado ou não. Fazer previsões astrológicas a longo prazo, para todo um ano, exige mais meteorologia do que qualquer computador jamais seria capaz de produzir.

  • Influência da força forte

Essa força é um pouco misteriosa, não temos uma fórmula exata para ela. Seu poder é fazer um próton atrair o outro quando estão muito, mas muito perto, e também torna prótons capazes de atraírem nêutrons, isso permite a existência e estabilidade dos núcleos atômicos. Mas essa força tem um alcance muito curto. Enquanto as forças gravitacional e elétrica ficam fracas com o inverso do quadrado da distância, ou seja, se você dobrar a distância entre dois planetas a força entre eles diminui em quatro vezes, se triplicar, ela diminui nove vezes; nosso melhor modelo para a força forte, o potencial de Yukawa, nos dá uma triste notícia: essa força decai exponencialmente com a distância.

E o que isso significa? Sem medo de errar, posso afirmar que qualquer átomo presente na Terra exerce mais força forte em mim que todo o planeta Saturno. Essa força é aproximadamente proporcional ao número de prótons; esses, em Saturno, são da ordem de 10 seguido de quarenta zeros, o que tornaria a força de Saturno $10^{40}$ vezes mais forte que o átomos. No entanto, se o átomo estivesse a um metro de mim, a diferença entre as forças pela distância seria algo perto de 10 seguido de (4 seguido de onze zeros) zeros vezes menor. Esse número é tão pequeno, mas tão pequeno, que o escrever completamente com uma mão ágil que desenha três zeros por segundo tomaria meses de sua vida. Comparando com um átomo do outro lado da Terra, Saturno perde feio. Se um astrólogo argumenta que Saturno nos influencia pela força forte, ele também deve colocar em seu mapa astral cada átomo presente no planeta Terra e explicar sua influência.

  • Influência pela força fraca

Essa é talvez a mais difícil de argumentar, mas vou tentar. A força fraca possui, como a forte, um alcance muito curto, então qualquer esperança de ser afetado pela força fraca de Saturno diretamente é vã e pífia. No entanto, Saturno poderia enviar neutrinos, partículas cuja única forma de interação mensurável é a força fraca. Elas funcionariam como uma espécie de radiação, bombardeando o planeta e alterando suas propriedades com força fraca; parece promissor.

Mas se você é um leitor antigo do blog, deve ter lido algo sobre os neutrinos, e sobre como é extremamente difícil detectar um deles. Nos anos 80, uma safra boa de detecção de neutrinos eram 24. Não 24 milhões ou milhares, 24 neutrinos foram detectados em um ano naquela época, e foi um grande avanço; a tabela que os mencionava ganhou muitas citações acadêmicas.

Um neutrino é tão difícil de interagir com qualquer coisa que você precisaria fazer um neutrino atravessar chumbo do comprimento de mais de mil vezes o sistema solar para que a chance de um neutrino interagir com o chumbo seja maior que a chance de não interagir (fonte). Ademais, o sol já é responsável por um tal bombardeio de neutrinos que Saturno, se por acaso emitisse tal partícula, seria totalmente ofuscado pela imensidão do bombardeio dos neutrinos solares. Em outras palavras, precisaríamos medir mais que 24 neutrinos para que algum deles viesse de Saturno. A chance de ter um neutrino interagindo com nosso corpo, ou com algo perto dele, já é perto de ganhar na loteria; que esse neutrino tenha vindo de Saturno, nem atravessando um ano-luz de loterias eu conseguiria tal feito.

  • Conclusão

Não há qualquer base científica possível na afirmação de que Saturno teria qualquer influência em nossa vida além de ser um pequeno ponto no céu noturno longe das cidades grandes. Nenhuma das formas de interação conhecidas pelas leis da física são capazes de explicar o poder atribuído a Saturno, ou a qualquer outro planeta, pelos astrólogos.

Resta a alternativa evidente: uma tão sonhada quinta interação! Se os astrólogos atribuem a esses astros a capacidade de afetar nossa vida e destino, certamente estão propondo uma maneira nova de interação, uma maneira de ação desses planetas em nossa vida! E, por isso, convido, aliás, imploro aos astrólogos por um debate, uma aula sobre essa quinta interação. Certamente eles confirmarão nossas teorias de grande unificação, apresentarão um grupo de simetria melhor que o $SU(5)$ para unificar gravitação com mecânica quântica, talvez o $ S_7$, mas prefiro não antecipar; coloco-me como aluno desses grandes mestres da ciência.

No entanto, qualquer voz que se levantar para explicar essa quinta interação em termos vagos, genéricos, usando palavras como “interação espiritual” ou qualquer outra mutilação esotérica de termo científico deve, ao menos, se dignar a explicar o que quer dizer em termos minimamente parecidos com os que acabo de utilizar com cada interação que conhecemos. Deve explicar o que Saturno tem de diferente dos demais (composição? órbita? temperatura?), deve explicar as características dessa interação (qual seu alcance? qual seu bóson associado? há mais de um bóson? ele tem massa? qual sua carga associada?), deve explicar no que ela age, deve explicar como essa ação pode desencadear um fenômeno tão complexo quanto afetar um relacionamento (ou seja, alterando neurônios, hormônios, e até eventos maiores, como permitindo que você chegue a tempo em um encontro), deve também explicar a razão de apenas afetar pessoas nascidas enquanto o planeta Terra estava em um trecho específico de sua órbita (que pouco tem a ver com a órbita de Saturno) ou deve assumir que não sabe do que está falando.

Mas se você, como eu, ainda não encontrou evidências dessa quinta força, resta apenas, a cada previsão astrológica, repetir quatro perguntas para garantir que ela está bem colocada, pois qualquer um desses fatores afeta mais nossa vida que o planeta dos anéis: há algum objeto denso no quarto ao lado, que poderia afetar a gravidade tanto quanto Saturno? O céu está nublado? Como estão organizados os prótons de toda a China? Ou, se foi atingido por um neutrino de Saturno, já pensou em jogar na loteria?

Essa tabela do xkcd.com resume bem o argumento talvez mais poderoso contra misticismo em geral, o argumento econômico:

A crença em tais misticismos persiste, acredito, porque revela a ilusão humana de que basta fazer parte de um grupo seleto de iluminados para que você tenha lampejos sobre o futuro inacessíveis a outros, e a recusa eterna da aceitação do acaso e do aleatório como imprevisíveis. Evoluímos por e somos treinados para sermos capazes de reconhecer padrões e relações de causa e consequência, a astrologia, como toda forma de futurologia mística, é a deturpação dessa capacidade na negação da existência do aleatório, do imprevisível, do complexo. É uma tentativa do homem de obter poder sobre sua realidade, ainda que esse poder, o da ciência do futuro, seja uma ilusão; e astrólogos são excelentes em previsões vagas que se aplicam a tantos casos que, ao invés de mudar a teoria da astrologia, é sempre melhor dizer que a observação não foi bem assim, que ela deu certo. É o homem tentando não ser fraco, comum e sensível às vicissitudes e intempéries do destino. Como disse Pessoa:

Não sei se os astros mandam neste mundo,
Nem se as cartas —
As de jogar ou as do Tarot —
Podem revelar qualquer coisa.

Não sei se deitando dados
Se chega a qualquer conclusão.
Mas também não sei
Se vivendo como o comum dos homens
Se atinge qualquer coisa.

A física possui muitos fenômenos muito estranhos, indistinguíveis de magia se você não a conhece a fundo. Todos eles nos ensinam uma coisa em comum: a realidade é um lugar complicado. Assim, deixo vocês com o aviso: duvidem sempre de qualquer solução simples, de qualquer relação de causalidade ou de correlação que é simplória e rápida (Saturno afetará seus relacionamentos em 2013!), de qualquer padrão que vai contra o bom senso, duvidem das promessas fáceis, de qualquer adivinhação, tirem sua coragem de onde puderem, mas se armem sempre com a razão. Porque ela funciona.

Uma resposta expansiva

Rookie

Em algum momento do ano passado, recebi um email extremamente curioso. Um amigo de infância, que não via havia quase oito anos, mandou-me uma mensagem perguntando como eu estava, o que fazia, disse que havia terminado sua faculdade e, com a devida introdução, perguntou-me se o universo estava se expandindo ou se contraindo. Fascinado com a pergunta, por ser uma das mais interessantes da cosmologia, teci uma resposta, que reproduzo no post de hoje.

“Você me fez uma pergunta difícil, não espere uma resposta simples. Também não espere uma aula ou livro texto, essa não é minha especialidade e eu vou escrever as coisas divertidas que sei de cabeça sobre esse assunto. Você me perguntou um tema polêmico de astrofísica, e deu sorte, porque ele nem é tão especulativo assim. Há muita viagem sobre muita coisa na astrofísica e na cosmologia, essa não é uma dos piores, é, inclusive, uma das mais legais. E para você entender o que vou tentar explicar, preciso te contar um pouco sobre alguns assuntos necessários para entender o debate na física sobre a teoria do multiverso, big crunch, entre outras.

A astrofísica e a cosmologia têm uma grande questão em debate: a curvatura do espaço-tempo. Esse tema é menos viagem do que parece, é um termo matemático bem preciso e pode ser medido na nossa realidade. Vou dar um exemplo do que estou falando. Imagine-se uma formiga vivendo na terra. Você é muito pequeno, não tem a menor noção do que é a dimensão “altura”, para você existe apenas norte, sul, leste e oeste. Nesse seu universo, toda a geometria que você aprendeu no colégio funciona: duas paralelas não se encontram, a soma dos ângulos de um triângulo é sempre 180°, o quadrado da hipotenusa é a soma dos quadrados dos catetos, tudo funciona direitinho. Mas um dia, você estando no equador, decide viajar ao polo norte. Você vai, alcança-o e, lá chegando, decide virar 90°. Você desce e, em um momento, chega ao equador novamente. Nele, decide virar novamente 90°, seguindo a linha até atingir seu ponto inicial. Suponha que você tenha feito isso com um lápis nos pés, desenhando uma linha conforme andava. Você virou duas vezes e atingiu seu ponto de partida, isso implica que você, com o lápis, desenhou uma figura de três lados: um triângulo. No entanto, você nota que seu ângulo de chegada é de 90°, e você fez duas outras curvas de 90°, ora, a soma dos ângulos internos desse triângulo é de 270°! Coloquei uma figura para facilitar sua vida nessa viagem pelo planeta com o lápis.

O que há de errado, afinal? Estaria sua geometria errada? Não, a geometria que você conhece funciona muito bem para suas duas dimensões planas, mas você começa a notar os efeitos de o que chamamos de distorção na geometria. Note que não estamos falando da terceira dimensão, porque a formiga nem consegue imaginar o que é isso e ainda assim consegue medir os efeitos da distorção da sua geometria. Ela não mora em um plano, mas em um espaço que possui o que definimos, na matemática, como curvatura positiva. Uma curvatura negativa seria se ela morasse em um grande vale, nesse caso seus triângulos teriam a soma dos ângulos internos menor que 180°.

A física descobriu que esse pensamento todo não é uma frescura matemática. A presença de um corpo de grande massa, como uma estrela, é capaz de alterar a curvatura do espaço a sua volta, a presença de matéria afeta o espaço e até a maneira como o tempo passa a sua volta, é bem impressionante e matematicamente preciso, podemos calcular com exatidão o quanto o espaço é curvo e o quanto os relógios passam mais devagar perto de um corpo de grande massa. Na verdade, se o que queremos é precisão, até a massa da terra afeta os relógios. Não por menos, o GPS precisa fazer correções pela distorção do espaço tempo pela massa da terra para manter uma precisão razoável, sem elas ele erraria cinco metros a cada segundo.

E nós podemos pensar no que é chamada de curvatura global do universo. Já descobrimos que o universo está se expandindo, ou seja, que as galáxias estão se afastando mais e mais umas das outras. Sabemos também que essa expansão é acelerada, conseguimos até dizer o quanto (ainda que seja um mistério o que está causando essa aceleração). No entanto, não sabemos se essa aceleração está aumentando ou diminuindo, se o universo vai se expandir indefinidamente ou se a aceleração está diminuindo para dar espaço a uma contração que faria o universo voltar pouco a pouco ao que era antes, colapsando em um inverso do Big Bang. O que poderia nos dizer isso? A curvatura do espaço.

Há uma relação íntima entre a taxa de aceleração do universo e essa curvatura dele. Se descobríssemos se a curvatura é positiva ou negativa, saberíamos o futuro do universo; pois o mesmo mecanismo que causa a expansão do universo causa sua curvatura e, medindo um, poderíamos pedir o outro. O problema é que não conseguimos medir isso com exatidão. Aliás, até conseguimos, mas o valor que obtemos para a curvatura não é conclusivo. Há um parâmetro chamado $\Omega$ que, se maior que 1, teríamos um universo de curvatura positiva, se menor que 1, teríamos um de curvatura negativa. O valor que medimos atualmente (da última vez que vi esse valor, deve ter mudado agora) é $\Omega = 1,0002\pm 0,0003$, ou seja, tanto um valor maior que 1 quanto um valor menor que 1 estão dentro do erro experimental da medida. Não conseguimos decidir, e isso nos incomoda bastante!

Coloquei um gráfico que parece difícil, mas não é. Ele mostra como seria o destino dos possíveis universos segundo a curvatura deles. Note que quando a curvatura é positiva, o $\Omega$ é maior que 1, então a distância entre as galáxias, depois de um tempo, começaria a diminuir e, invariavelmente, tudo voltaria ao ponto central do Big Bang. Se a curvatura é positiva, a expansão seria indefinidamente acelerada.

E se $\Omega = 1$? Para entender o motivo de isso não ser tão razoável, precisamos entender o que é esse valor. Não apenas ele mede a curvatura do espaço, ele é também um indicador da densidade do espaço. Existe um valor, chamado densidade crítica, que define o comportamento do futuro do universo: se nosso universo é mais denso que essa densidade crítica, então $ \Omega >1$, se é menos, $\Omega <1$. Ora, dizer que é exatamente igual a 1 é dizer que a densidade do universo é ajustada como que por mágica para ser exatamente essa densidade crítica, isso não é razoável.

E sabemos que, por mais perto de 1 que esse $\Omega$ esteja, se ele for maior que 1, no longo prazo isso levaria a uma desaceleração da expansão e a uma contração. Ainda, por outras evidências, a melhor hipótese é a da expansão ilimitada.

Então, como resposta, tenho isso: não sabemos completamente. Inferimos, medidos e ficamos maravilhados com essa relação entre geometria, futuro e densidade do universo, mas ainda não podemos determinar com exatidão seu futuro. E essa é nossa missão como físicos: descobrir o destino último do universo, tendo apenas um planeta, nossos sentidos e nossa razão.”

Um diagrama nada claro

Rookie

Na faculdade, aprendemos a física por sua trajetória histórica: começamos pelas leis de Newton, sua mecânica, passamos ao estudo de ondas, óptica, termodinâmica, atravessamos o eletromagnetismo e terminamos a “física básica” com quântica. Mais para o final do curso, continuamos com a física do século XX, da qual a quântica faz parte, além de incluir a física estatística e a relatividade geral nessa história. Matérias mais avançadas, como a teoria quântica de campos (TQC) e a teoria estatística de campos (TEC) são assunto de mestrado e doutorado, muita gente parece viver bem feliz sem jamais tocar em um livro de qualquer dessas matérias.

Mas a relação entre as áreas da física não é essa histórica, uma não leva naturalmente a outra. É possível ser muito feliz em uma área da física sem jamais precisar se aprofundar muito em outra (ainda que grandes descobertas costumem ser feitas apenas por físicos com um vasto conhecimento de quase todas as áreas), não preciso saber astronomia para trabalhar com física do estado sólido (ou física dos materiais).

Então decidi tomar alguns minutos, sentar e pensar em um diagrama mais compreensivo da física, que leve em conta as interconexões entre as áreas e que seja uma divisão justa e organizada dessa ciência. É evidente que cheguei a algo bem confuso, mas o resultado não ficou feio, e coloco-o aqui.

Muitos físicos vão discordar com ferocidade da divisão e organização, mas foi o melhor que pude, não conheço tanto de todas as áreas para entrar em uma reflexão mais profunda que o que escrevo nesse post.

Comecei colocando a matemática como centro. A física é inteira apoiada na matemática, e nela estão muitos dos vínculos das áreas da física. Em seguida, tracei as três principais áreas da física: relatividade (geral ou restrita), física estatística e física quântica.

Física quântica: é o estudo do muito pequeno, muito mesmo. Estamos falando de elétrons, prótons, átomos, nada que possamos ver ou tocar diretamente, precisamos estar pelo menos a 0,00001 mm ($10^{-8}$m) para começar a sentir algum efeito dos estudos dessa área. Ainda, é o que precisamos estudar para entender do que as coisas são feitas, como fazer coisas novas, materiais novos, entender as leis que regem a escala atômica e usá-las.

Relatividade: estudamos os efeitos de velocidades muito altas (próximas às da luz, que é a máxima possível), massas muito grandes (como a da Terra ou a do Sol) e energias muito elevadas (como a explosão de uma estrela).

Física estatística: é a área que tenta deduzir, a partir do mundo do muito pequeno, o que acontecerá no nosso mundo. Tentamos entender como a gota de água tende a ficar junta se ela é feita de várias moléculas, ou como não conseguimos atravessar a parede se o espaço entre os átomos é muito maior que os átomos.

Assim, posso explorar as intersecções entre essas áreas. Se estamos na fronteira entre relatividade e quântica, estamos falando da teoria quântica de campos (TQC), uma área bem complicada que tenta escrever a mecânica quântica em uma linguagem que leve a relatividade em conta. Não me atrevo a tentar misturar relatividade geral com quântica, ninguém consegue fazer isso decentemente. Entre a física estatística e a quântica, teremos a teoria estatística de campos (TEC), que usa diversas propriedades do mundo do muito pequeno para explicar muito fenômenos do nosso cotidiano, em uma linguagem matemática bem trabalhada e bem parecida com a da TQC. Eu poderia colocar tudo em uma área só, campos, mas assim fica mais fácil de ver.

Entre a relatividade e a física estatística, temos a astrofísica, o estudo das propriedades físicas das estrelas, galáxias, que exige tanto conhecimento de relatividade, por reger as leis fundamentais desses corpos, como conhecimentos da física estatística, porque uma estrela é formada de muitos átomos e uma galáxia de muitas estrelas. A relatividade, sozinha, inclui a nossa querida mecânica do colegial, que é apenas um caso particular da relatividade para baixar velocidades e massas suficientemente pequenas. A física estatística, quando aplicada a gases e líquidos, torna-se a termodinâmica.

Se continuamos, podemos pensar que o estudo das propriedades físicas dos corpos celestes aliado às leis de Newton nos permite saber a posição, trajetória e diversas outras grandezas estudadas pela astronomia. A astrofísica, quando estudada em grande escala e recebendo o apoio das leis da termodinâmica e da física estatística, torna-se a cosmologia: o estudo do universo como um todo, sua expansão, evolução e destino. Aplicar a teoria estatística de campos à termodinâmica nos torna capazes de descrever estruturas mais complexas que gases, podemos até pensar em cristais, coloides, plásticos, estamos na física do estado sólido. A teoria quântica de campos e a teoria estatística de campos se encontram para descrever propriedades complicadas do mundo subatômico, permitindo-nos estudar a física de partículas. Por fim, a teoria quântica de campos, capaz de descrever os elétrons e os prótons (que possuem carga) e a mecânica de Newton se encontram no eletromagnetismo.

Por fim, podemos colocar algumas outras áreas. O eletromagnetismo é muitas vezes estudado profundamente no aspecto de transmissão de energia eletromagnética em forma de onda, uma área conhecida como óptica, que engloba toda a propagação de ondas eletromagnéticas no vácuo ou não. A física do estado sólido e a de partículas se encontram para tentar gerar materiais novos, diferentes, estruturas moleculares complicadas, e podemos atribuir esse estudo à química molecular, que não é tanto física assim, mas merecia um lugar no diagrama. As partículas e o eletromagnetismo juntam forças para desbravar os mistérios do centro do átomo, em uma área muito ativa no último século chamada física nuclear. E das partículas, sozinha e um pouco isolada, quase uma sub-área da matemática, parte a teoria das cordas.

Qual a lógica do diagrama? Se você quiser estudar alguma área, terá que saber bastante de todas as áreas internas à que escolheu, estudando todas as que sua área toca no anel interior. Claro, isso não torna as áreas exteriores mais difíceis, você muitas vezes não precisa se especializar nas áreas interiores para saber a sua, é apenas um diagrama que indica vínculo, procedência e contato entre as áreas. Queria que o diagrama terminasse com um anel completo, mas não consegui pensar em nada que viesse de estado sólido e cosmologia, ou nada melhor para colocar entre astronomia e cosmologia que “coisas do espaço”.