Arquivo mensais:setembro 2013

Há partidos políticos no Brasil?

Rookie

Discutia um dia desses política com um amigo. Não entendo quase nada do assunto, ainda mais estando longe do Brasil, só recebo compartilhamentos de Facebook com a indignação da classe média no novo escândalo. Meu amigo, contudo, lançou o seguinte argumento:

O Brasil não tem partidos. Não é como os EUA, por exemplo, que possuem ideologia, um partido que vota coeso, um plano de governo. Aqui cada um vota como quer, os partidos servem só para fazer alianças e ganhar ministérios.

Não pude responder, porque não havia base para qualquer opinião nisso, contra ou a favor. Engana-se quem acha que fico satisfeito com o nível “bar” de conversa de política; não posso apenas argumentar citando um caso como prova, sou estatístico, tenho brios. Disse que iria pensar a respeito, e esse post é o que pensei a respeito, minha tentativa de responder a pergunta que vai no título.

Antes de mais nada, esse não é um blog político e esse não é um post político. Se você está buscando gritos de “FORA PT” ou “CHORA TUCANADA”, abra seu Facebook, não este site.

Usando meu comportamento obsessivo, o mesmo que me fez, em maio do ano passado, compilar o mês de aniversário de quase 400 jogadores de futebol, passei algumas horas no site do senado brasileiro e juntei os votos de todos os senadores brasileiros nas decisões da casa no ano de 2012. Não foi fácil, porque o site não é feito para esse tipo de análise. Cada senador possui uma página pessoal, com um arquivo pdf para cada ano e as decisões são escritas nesse arquivo.

Descobri nesse processo que, ainda que o voto seja obrigatório ao brasileiro, não é aos senadores. Existe uma modalidade de voto chamada P-NRV, presente – não registrou voto. O exemplo que dei acima, o arquivo pdf do senador Aloysio Nunes, não foi escolhido por acaso, ele é um dos dois casos de senadores que registrou voto em todas as votações abertas. Se quiser um exemplo do uso de P-NRV, recomendo o pdf de José Sarney, ele votou em apenas três votações abertas. ((Muito provavelmente por ser o presidente do Senado. Ainda que ele não seja impedido de votar, como os presidentes de comissões são em assuntos de sua comissão, Sarney provavelmente prefere deixar seu voto para ser a Minerva nos empates.))

Outra particularidade é a proporção de votações abertas e secretas. Em 2012 tivemos 36 votos abertos e 46 secretos, o que prejudicava um pouco mais minha vida, pois reduzia minha base de dados. Todos os votos, sendo 1 para “Sim”, -1 para “Não” e 0 para a não emissão de voto, por qualquer motivo, você encontra no link.

Em minha análise contei 75 senadores. O leitor atento pode não gostar, pois o Senado possui 81 senadores, mas tive que excluir os que entraram apenas como suplentes em 2012. Muitos começaram o mandato apenas em outubro, a quantidade de informação acrescentada é baixíssima, posso exclui-los sem medo.

E uma vez que tenho essa base de dados (75 senadores em 36 decisões), posso me divertir. A matemática não é difícil, a parte difícil foi caçar os votos no site do Senado. Estamos atrás da chamada matriz de correlação dos votos. Sem entrar em detalhes, essa matriz me diz o seguinte:

Na linha $i$ e coluna $j$ terei um valor. Se esse valor é positivo, o senador $i$ costuma votar de forma coerente ao senador $j$. Se é negativo, eles costumam emitir votos opostos. Quanto mais alto, maior é essa correlação entre eles. Se é muito negativo, eles divergem em muitas decisões.

Usando algumas técnicas interessantes, que infelizmente não cabem em um post nível Rookie ((O autovetor associado ao maior autovalor da matriz de correlação nos dá o primeiro componente principal, o que é o equivalente a saber o quão “governista” ou “oposicionista” um senador é!)) , pude ordenar os senador em “governismo”, ou seja, colocá-los em uma escala de mais governo ou mais oposição. Sem incluir nomes ou partidos, a matriz de correlação tem essa cara:

senadores_1Para ler esse gráfico, basta pensar que quando um quadrado é bem vermelho, então os senadores equivalentes a aquela linha e coluna votam juntos. Se está bem azul, eles costumam votar bem diferente. É claro que a diagonal será bem vermelha, pois ela representa um senador consigo mesmo, e essa é a correlação máxima, uma pessoa sempre vota consigo.

Mas note que há dois grupos bem distintos de senadores. O primeiro bloco, no canto inferior esquerdo, possui alguns pontos vermelhos entre si e é essencialmente azul quando comparamos ao outro bloco. O bloco dominante, o do canto superior direito, também é coerente entre si e profundamente azul com o outro bloco. Nesse gráfico, podemos perceber que no Senado, há bem definidas oposição e situação. Isso fica mais fácil se eu sinalizar esses blocos, de onde conseguimos extrair ainda mais informação:

senadores_2Percebemos mais alguns detalhes aqui. Esse mapa pode ser lido em “blocos”. O quadrado oposição-oposição indica a coerência interna daquele bloco, enquanto o oposição-governo indica o quanto esses blocos diferentes votam juntos. O governo possui muito mais regiões vermelhas, o que indica coesão e correlação entre os votos, enquanto a oposição está cheia de pontos azuis. Isso é a confirmação estatística do que sempre se disse da política atual brasileira, que a oposição não apenas é menor, mas é desunida e não vota de maneira coerente. O governo, no entanto, possui uma larga região coerente e garante, com isso, um senado tranquilo para quem está no poder.

Esse gráfico ainda não responde meu amigo, porque eu não considerei partidos em nenhum momento. Eu descobri dois grupos, e os chamei de oposição e governo, mas apenas fiz isso porque sabia quais partidos eram majoritários em cada bloco. O bloco que contém o PT é o que chamei de governo, enquanto o outro é a oposição; mas vale a pena analisar se esses blocos coincidem com os partidos políticos tradicionais.

Aquela matriz possui uma ordem, eu a ordenei propositalmente para encontrar esses dois blocos; mas agora posso mudar a ordem respeitando os partidos políticos. Como são muitos, anotarei apenas os maiores para que vocês consigam, olhando para os blocos partidários, notar duas coisas:

  • O bloco “interno” do partido, as correlações dele consigo mesmo, situados na diagonal da matriz. Isso dará uma ideia do quão coerente os membros de um partido são com os membros do mesmo partido.
  • Os blocos “externos”, por exemplo, o bloco PSDB-PT nos permite ver o quanto esses dois partidos votaram juntos (presença de vermelho) ou divergiram (presença de azul)

A ordem de todos os partidos, para incluir os omitidos, é: PSDB – PSOL – DEM – PDT – PR – PMDB – PTB – PSD – PSC – PP – PT – PSB – PV – PCdoB – PRB. Esse gráfico já é bem mais interessante. Ele é diferente do anterior porque ordenei as linhas e as colunas para se tornarem blocos partidários, e podemos, com isso, tirar as seguintes conclusões:

  • Os únicos partidos de oposição são PSDB, DEM e, surpreendentemente, PSOL. O senador psolista não apresenta grande correlação com ninguém, mantendo uma coloração verde-água em toda sua linha; infelizmente ele é apenas um e é difícil tirar estatística de um ponto para confirmar a independência política do PSOL.
  • PSDB apresenta razoável coerência interna, mas não se compara à coerência petista. O tom vermelho no bloco interno no PT mostra que o partido costuma votar junto, com raras exceções, sendo Ana Rita, do Espírito Santo, a que mais contraria seu partido.
  • O caso do PMDB é talvez o mais interessante. Compare o bloco interno desse partido com a figura completa, a primeira que coloquei, são quase iguais! A estrutura interna do PMDB é como a estrutura do senado todo, ou seja, o PMDB possui a mesma estrutura partidária que nenhuma estrutura partidária! Esse também é o caso do PR, mas ele possui menos membros e é difícil extrair estatística de poucos pontos.
  • O bloco interno do PDT possui mais correlações negativas que positivas, tornando esse partido o mais incoerente de todo o Senado. Esses senadores mais divergiram que concordaram nas decisões. Estatisticamente falando, eu os teria colocado em extremos opostos na orientação partidária.
  • O DEM é o partido “do contra”. Seu lado da matriz sendo um rio de azul escuro, esse partido faz jus ao título de oposição.

Após a publicação desse post, recebi muito feedback e, em especial, Filipi Nascimento Silva, do grupo de sistemas complexos do Instituto de Física da USP de São Carlos, reproduziu minha análise com alguns softwares mais bonitinhos, um trabalho mais fino, e o resultado é lindo. Ele representa os senadores em um grafo, cada senador é um ponto e, quanto mais próximos os senadores, maior é a coerência entre seus votos. Senadores muito distintos votam drasticamente diferente, enquanto grupos concentrados votam juntos. Ele fez o favor de colorir de acordo com os principais partidos, apresento os resultados:

PartidosFilteredNotamos que, felizmente, sua análise concorda com a minha. Temos dois grupos, um muito mais coeso que o outro, temos o PSDB lutando para ser alguma coisa, o PT profundamente concentrado no centro da região governista, o PMDB espalhado para todo canto e o PDT nos extremos mais diversos do grafo.

Todas essas conclusões são baseadas, infelizmente, em pouca informação; mas acabei me empolgando e provavelmente farei algo mais completo no futuro. Naquela discussão, meu amigo citou o dito do governo ainda imperial, que não há nada mais conservador que um liberal no poder, não posso concordar. A política brasileira atual é mais vasta e complexa, não há apenas dois, há tantos partidos no Brasil, e todos são muito diferentes. Há os que apresentam mais coerência que outros, há os que não parecem querer ter coerência interna, há oposição, há governo, há os que parecem ter sido juntados em um mesmo partido ao acaso, e há os que desejam ser maioria a todo custo.

Esse estudo me convenceu de que há muito a se ganhar se tanto o Senado quanto o Congresso disponibilizarem de forma clara os votos de cada representante. Foi um sacrifício encontrar e extrair esses dados, e acredito profundamente que uma melhora na disponibilidade e exposição desses dados acrescentaria muito ao discurso político. Quanto ao voto secreto do Senado, confesso, incomoda-me. Não questiono o aspecto político do segredo, mas não gosto; se precisasse escolher, pediria para que o abolissem, se não pela transparência e clareza, pela estatística.